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Entrevista com Marcelo Moura Mello - Parte I

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APERS Entrevista
APERS Entrevista - Foto: Divulga APERS

Marcelo Moura Mello é licenciado (2005) e bacharel (2007) em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (2008) e doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (2014). Atualmente é Professor Adjunto do Departamento de Antropologia e Etnologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), atuando nos programas de pós-graduação em Antropologia e em Estudos Étnicos e Africanos, além de ser pesquisador do Centro de Estudos Afro-Orientais. Tem experiência etnográfica com comunidades remanescentes de quilombos no sul do Brasil e com descendentes de indianos na Guiana (antiga Guiana Britânica). Realizou pesquisas em arquivos históricos no Brasil, na Guiana, no Reino Unido e em Portugal.

2022 07 06 Marcelo Mello
Marcelo Mello

1) Marcelo, você pode nos falar, em linhas gerais, sobre suas principais etnografias, particularmente aquelas de seu mestrado e de seu doutorado?
Cursei mestrado e doutorado em instituições públicas diferentes, na Universidade Estadual de Campinas e no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na Unicamp, dei prosseguimento a pesquisas realizadas coletivamente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul desde minha graduação em Ciências Sociais, sob orientação de José Carlos dos Anjos, junto à comunidade quilombola de Cambará, localizada na região central do estado do Rio Grande do Sul.
No mestrado mantive o convívio com a comunidade de Cambará, desta vez individualmente. Minha dissertação, orientada por Emília Pietrafesa de Godoi, trata das relações entre memória, reconhecimento, etnicidade e território. Um dos caminhos abertos ali – em especial em meu livro, Reminiscências dos Quilombos – foi a de pensar articuladamente narrativas orais e documentos escritos. Na Unicamp houve o estímulo de John Monteiro, Omar Thomaz e de colegas que realizavam pesquisas em arquivos.
No doutorado fiz pesquisa de campo com descendentes de indianos na Guiana. Minha pesquisa empírica se deu junto a membros de uma vertente hindu heterodoxa, o culto à deusa Kali. Na tese, orientada por Olívia Maria Gomes da Cunha, tratei de temáticas relacionadas à religião, ao corpo, à materialidade e a rituais de cura. Essa pesquisa seguiu moldes mais clássicos: dez meses de pesquisa de campo, aprendizado de línguas (inglês e o creolese, a língua crioula local), contato visceral com uma realidade bastante distinta da minha etc. Minhas investigações mais recentes buscam entender como espíritos da época colonial participam da produção de narrativas históricas sobre o passado da Guiana.
Também tenho realizado pesquisas de cunho histórico, sobretudo sobre a migração de portugueses da Ilha da Madeira para a Guiana, entre 1840 e 1860. Madeirenses trabalharam em plantações de cana-de-açúcar. Isso permite pensar o processo de reconfiguração de hierarquias raciais e laborais no pós-emancipação de forma mais nuançada.
Obtive bolsas de extensão e pesquisa, além de recursos de agências de fomento públicas, durante toda a minha formação. Realizei meus estudos em universidades públicas, gratuitas e de qualidade. Julgo importante esse registro. 

2) De que maneira as fontes documentais do Arquivo Público contribuíram para o primeiro trabalho? 

Imensamente. Registro, primeiramente, a paciência, a disponibilidade e o conhecimento técnico de funcionários(as) do Arquivo.

A pesquisa no APERS se deu pela necessidade de localizar fontes escritas que atestassem a ocupação territorial de antepassados da comunidade quilombola de Cambará. Isso se deu no contexto de produção de um laudo de identificação étnico e territorial.

As investigações no Arquivo foram orientadas por narrativas orais de homens e mulheres de Cambará, narrativas essas que faziam referência a uma medição de terras, no passado. Devido à minha experiência de campo prévia, eu já tinha ciência dos eventos significativos na história do grupo, tinha alguma relação com os “antigos”, ou seja, os antepassados da comunidade. Envolvi-me, então, com pesquisas arquivísticas. Minha experiência com arquivos era diminuta. Mas eu sabia por quem me orientar. Efetivamente, o documento referente à medição foi localizado. Nas brechas de grandes sesmarias, famílias libertas, com fortes relações com indígenas, haviam comprado lotes de terra – já na primeira metade do século XIX, vim a descobrir.
Embora as pesquisas fossem direcionadas, consultei centenas de inventários, processos-crime, registros de tabelionato, medições etc. A leitura desses documentos permitiu-me aprender um bocado sobre o período da escravidão na região central do Rio Grande do Sul. A localização de documentos trouxe questões relevantes para compreender as narrativas orais de Cambará.
Os momentos dentro do Arquivo foram ricos, também, porque foi por meio de encontros na sala de consulta que aprendi imensamente com historiadores como você, Gabriel Berute, Gabriel Aládren, Alejandro Gimeno... Por mais que cada pesquisador, ou pesquisadora, realize suas pesquisas individualmente, nunca se está só. Aprende-se a fazer pesquisa com colegas.

Leia na próxima semana a continuação da entrevista com o antropólogo Marcelo Mello!

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