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Entrevista com Franklin Fernandes Pinto - Parte II

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APERS Entrevista
APERS Entrevista - Foto: Divulga APERS

Na quarta-feira passada, dia 09 de novembro, o historiador Franklin Fernandes Pinto nos falou sobre suas pesquisas, abordando agregados ou pequenos produtores no Rio Grande colonial, e sobre a importância dos documentos salvaguardados pelo Arquivo Público nesses estudos. Confira a continuidade da entrevista!

4) Elas voltarão a ser pesquisadas em seu doutorado? O que você está preparando em suas pesquisas mais recentes?

Sim, continuarei trabalhando com inventários post-mortem e testamentos. Nesse momento estou direcionando minha atenção para a Freguesia do Estreito, onde atualmente localiza-se São José do Norte, extremo sul do Rio Grande do Sul. Buscarei, através de documentos eclesiásticos (batismos e casamentos) e jurídicos (inventários e testamentos), focar nas famílias estabelecidas naquela localidade observando o período de ocupação espanhola da Vila de Rio Grande (1763-1776) e após a reconquista desse território pelos portugueses (1776-1789). Nesse estudo, pretendo entender como as famílias do Estreito organizaram-se economicamente e quais as redes de relações estabelecidas e estratégias familiares empregadas por esses núcleos no acesso aos bens de produção e na reorganização daquele espaço que foi pautado por conflitos, procurando dar atenção para as relações de compadrio e crédito.

5) Quando observo trabalhos de história econômica, costumo me indagar sobre a relatividade histórica sobre o que podemos considerar “pequenos”, “médios” ou “grandes” produtores, “pequenos”, “médios” ou “grandes” escravistas. Creio que os limites são, em grande medida, uma construção do historiador, de maior ou menor arbitrariedade. Como você definiu seu universo de “pequenos”, e levando em conta quais critérios? Por quê?

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Em destaque o historiador Franklin Fernandes Pinto
Sua pergunta é muito interessante, pois a mesma constantemente aparecia quando eu apresentava resultados da pesquisa em eventos. Para delimitar meu grupo parti de dois pressupostos os quais acreditava serem importantes para balizar a pequena produção, a saber: o primeiro critério consistiu em ter como base a principal atividade econômica do Rio Grande do Sul no período colonial que era a criação de animais, especialmente o gado; o segundo parâmetro foi levar em consideração as taxas de reprodução e venda desses animais que é amplamente debatida por historiadores. Desse modo, cheguei a conclusão de que um indivíduo possuir 150 reses em seu rebanho o caracterizava enquanto pequeno produtor, pois essa quantidade de gado não proporcionava para a família analisada viver somente dos lucros obtidos através da criação de animais, havendo a necessidade desses estabelecimentos rurais desenvolverem outras atividades agropecuárias tão importantes quanto, como a agricultura.

6) Uma figura importante no meio rural rio-grandense é aquela dos agregados, para a qual você fez algumas contribuições importantes. Você poderia falar um pouco mais sobre isso?

O modo como cheguei ao estudo dos agregados é realmente bastante interessante, porque foi um problema de pesquisa que surgiu no desenvolvimento do trabalho no APERS. Até então, estava fichando a declaração de bens dos inventários post-mortem dos pequenos produtores, com o intuito de compreender sua estrutura agrária, produção e patrimônio. Contudo, comecei a encontrar na declaração dos bens de raiz (bens imóveis) sujeitos alegando estarem vivendo de forma agregada a determinada pessoa, geralmente alguém do seu ciclo familiar. E isso ocorreu de forma reiterada.

Esse aparecimento constante de pequenos produtores agregados, fez com que eu direcionasse atenção para esses sujeitos. Através de inventários e testamentos, busquei abordar de que modo ocorria a relação entre agregado e agregador (aquele que possuía a propriedade da terra).

Quando nos dedicamos a estudar os agregados no período colonial, observamos que grande parte das pesquisas desenvolvidas estão concentradas na região que pertencia à Capitania de São Paulo. Nesses estudos, constantemente era argumentado o fato de que esses indivíduos buscavam essa alternativa devido ao fato de não poder viver de um modo autônomo.

Quando comecei a analisar os agregados em Jaguarão, encontrei algumas situações que diferiam dos estudos até então realizados, o que possibilitou problematizar um pouco mais essa relação. Através da minha pesquisa pude perceber que os agregados estavam, antes de tudo, inseridos em uma estratégia do seu nicho familiar de reprodução social. A imagem do agregado enquanto um sujeito despossuído ou vinculado a um caráter de dependência, deu lugar também a filhos que estavam administrando a propriedade de seus pais e usufruindo de uma rede de benefícios e privilégios os quais faziam com que esses indivíduos largassem na frente quando necessitassem estabelecer seu próprio núcleo familiar, sendo a agregação uma situação apenas temporária e transitória. Ainda temos muito o que avançar quando nos referimos aos agregados, pois sua presença é constante na documentação analisada para o período colonial, mas é importante estarmos atentos para as relações que o termo agregado por encobrir.

7) Creio que a interiorização do ensino superior durante os governos Lula e Dilma contribuiu para um conhecimento melhor da história de locais igualmente mais interiorizados do Brasil. Você concorda com isso? De que maneiras conhecer melhor, por exemplo, Jaguarão (ou outros lugares) ajuda a repensar a história do Brasil, muitas vezes reduzida à realidade sudestina?

Concordo! Creio que essa interiorização do ensino superior nos permitiu complexificar mais nosso debate tão concentrado nas regiões sudeste e nordeste, principalmente quando tenho no horizonte o período colonial. Existe uma tendência – e acredito que tenhamos alguma parcela de culpa nisso – de citar e reproduzir sempre os mesmos estudos. Porém, muitas vezes esses trabalhos não condizem com a realidade do espaço que estamos analisando, pois não existiu um projeto colonial que foi seguido a risca em toda a América Portuguesa, devido os sujeitos manejarem seu espaço e se adequarem a distintas situações em determinados contextos. Acredito que por isso é muito significativa essa nova leva de pesquisas com perspectivas e espaços distintos, visto que nos possibilitou maiores nuances aos debates historiográficos.

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