Para a apresentação do processo usaremos nomes fictícios.
Elias entrou com processo para regularizar sua situação de moradia nas terras de sua família, denominada “Posse Cavalcanti”. A Inspetoria de Terras de Santa Rosa reteve seus documentos comprobatórios e o pediu que aguardasse.
Ocorre que Elias soube que as terras em que cultivava já estavam em nome de outra pessoa: Daniel Souza – apesar de nunca ter cultivado ou vivido ali - que teria recebido a concessão em 05/07/1951, no processo nº 7.359/51.
Em contrapartida, uma descrição do caso anexa no processo nº 11.290/52 afirma que Daniel tinha a intenção de firmar-se no lote 23 e dedicar-se à agricultura após o término de seus serviços no quartel, em Santa Rosa, e em sua defesa, diz que o lote estaria sendo ocupado por pessoas de sua família, trabalhando nele.
Assustado, Elias recorreu inúmeras vezes, via telegrama e pessoalmente, à Inspetoria para que o auxiliasse e não fosse despejado das terras em que já vivia há oito anos com sua família.
Escudado seu alto espírito justiceiro e propósito sempre demonstrado de não deixar que sejam sacrificados os pobres e trabalhadores é que me permito dirigir a vossa excelência. [...] Não é minha surpresa quando atualmente estou sendo enxotado da referida gleba por terceiros, visto a mesma ter sido concedida a Daniel Souza, pessoa que nunca teve posse nela e nem se dedica a agricultura. Assim pois apelo vossa excelência certo de que determinará a necessária providência para assegurar o meu direito como possuidor fixado a terra com cultivados e benfeitorias há tão tão longo tempo.”
Nas folhas de expediente – que mostram o percurso que esse processo fez pelas diretorias e inspetorias de terras – conta-se que a região mencionada foi verificada, e descreve o que há em cada lote da “Posse Cavalcanti”: Além da moradia de Elias, há também hectares em que planta, e outros moradores próximos, que segundo a documentação, seriam agregados de Daniel (Sergio Carvalho e Antonio Castro).
Fábio Cavalcanti, pai de Elias, numa declaração, autorizou o filho a seguir com o pedido de obter os direitos acerca do lote, uma vez que já se tratava de uma região pertencente à sua família, desde seu avô, Onir Cavalcanti, e só faltava os direitos legais acerca da localidade, a serem concedidos pelo Estado:
Eu abaixo assinado, pelo presente autorizo meu filho Elias Cavalcanti, a requerer na Comissão de terra de Santa Rosa, em seu nome, uma parte de terra, mais ou menos de 14 alqueires [...] cuja fração de terra, sita no lugar denominado Bom Progresso, neste distrito de Campo Novo, sob n° 23.” (Fábio Cavalcanti, 08/03/1952)
Em favor de Elias, outros documentos são anexados, como este trecho de uma carta do ex-prefeito de Três Passos, presente no processo 11290/52:
Solicitando a fineza de providenciar a respeito, sou de opinião que o direito à dita propriedade deveria ser cedida ao Sr. Elias, que alí trabalha há mais de seis anos e onde tem lutado e procurado progredir, graças aos seus esforços e amor ao trabalho.” (José Pazini, Prefeito Municipal, 27/06/1950)
Capas dos processos que fazem parte do Acervo do Poder Executivo - Fundo: Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio
Com o objetivo de resolver o caso, a Chefia da Inspetoria de Terras propôs anular a concessão do lote de Daniel Souza e dividir o lote n° 23 entre Daniel e Elias, entretanto Elias não aceitou a proposta e ainda ameaçou abandonar os lotes n° 23 e n° 24 se não obtivesse a posse por completo.O expediente de 28 de outubro de 1953 esclarece o fato e aplica a lei, no que diz respeito ao interesse público de colonização de terras. Sendo assim, Elias é que teria direito de manter-se no local, ocupando dois lotes com sua família, por ser a ocupação mais longa.
Sob o prisma jurídico, resta dizer que o regulamento permite que cada família possa adquirir até 3 lotes (Art.28). Assim sendo o peticionário e sua família poderiam ter obtido a concessão dos dois lotes, no caso de realmente serem antigos ocupantes deles, como alega aquele. [...] será possível a revisão equilibrada dos interesses legítimos e justos dos colonos, procedendo-se de harmonia com o que recomenda o esforço destes e o interesse público de colonização, atendendo-se equitativamente a ocupação mais longa, eis que ela estaria antes da medição efetuada, no caminho da legitimação legal.” (José Bonifácio M. L. Moreira)
No dia 2 de dezembro de 1953, o diretor geral da 2° Inspetoria de Terras, J. Baptista S. Pereira, propõe a anulação da concessão do lote n° 23 de Daniel, por estar sendo ocupado somente por agregados – e não por ele propriamente.
Ao longo de todo o caso, discorrido nos processos nº 11290/52 e nº 4146/53, verifica-se os originais e cópias dos telegramas enviados por Elias, em que seu desespero em posição de vítima era nítido, mas por vezes sua urgência o fez enveredar por um caminho de ameaças acerca dos agregados que moravam na região onde desejava continuar vivendo.
[...] Encontro-me em situação verdadeiramente desesperadora com minha família e agravada agora com corte madeiras e invasão lote que está sendo feita. Encontrando-me ainda iminência ter que matar para defender minha posse e meio subsistência.”
O desespero de Elias com a possibilidade da perda das terras em destaque em um dos processos
[...] estou indo a um ponto que serei obrigado a matar para defender minha posse.”
Conclusão:
O pedido de anulação da concessão de lote de Daniel foi feito, em benefício de Elias
Elias teria abandonado o local, apesar de haver uma licença de permanência no lote até que o caso fosse solucionado
Curiosidade: Casos assim são comuns durante a indexação de processos acerca de concessão e legitimação de lotes de terras públicas. Porém, este se diferencia pela riqueza de material dispostos em dois processos – ambos encontrados, e pelo teor dos telegramas, que foram dirigidos a um órgão governamental, e transmitiam ameaças de assassinato (não concretizadas, a princípio).
Acervo do Poder Executivo - Fundo: Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio.
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