Conheça o trabalho dos arquivistas gaúchos vencedores do último Prêmio Maria Odila Fonseca
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Em junho de 2021 o Arquivo Nacional lançou mais um edital do Prêmio de Arquivologia Maria Odila Fonseca, que objetiva apoiar o desenvolvimento da Arquivologia no país reconhecendo trabalhos de final de curso de graduação e pós-graduação realizados nessa área. Após processo de avaliação por Comissão Julgadora composta por professores doutores de comprovada experiência e reconhecimento na área de Ciências Sociais Aplicadas, em novembro de 2021 foram divulgados os ganhadores do Prêmio. Para nossa grata alegria, soubemos que entre as três categorias, duas foram conquistadas por profissionais de nosso estado, com os quais em distintos momentos mantivemos diálogo, seja em eventos promovidos pelo APERS ou em trocas de conhecimento no cotidiano de trabalho: Lívia Job Benvegnu, bacharel em Arquivologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), contemplada na categoria Monografia de Graduação com o trabalho intitulado "Projetos finais de engenharia rodoviária: uma análise tipológica", e Francisco Alcides Cougo Júnior, doutor em Memória Social e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), contemplado na categoria Tese de Doutorado com o trabalho a "A patrimonialização cultural de arquivos no Brasil".
Assim, como forma de parabenizá-los e de colaborar para a divulgação da produção científica na área de arquivos, hoje compartilhamos suas produções e um pouco mais sobre suas trajetórias. Acompanhe a seguir. Boa leitura!
1) Fale-nos sobre sua trajetória acadêmica e profissional: Sou bibliotecária, formada em 2007. Queria cursar Arquivologia, mas era um curso noturno e eu viajava muito na empresa em que trabalhei implantando sistemas ERP, módulo de Gestão de Documentos. Em 2010 fiz pós-graduação em Engenharia de Sistemas. Ingressei no Daer, em 2012, no cargo de Especialista Rodoviária em Documentação, onde havia acervos bibliográficos e arquivísticos da área de Engenharia Rodoviária. Solicitei ingresso diplomado na Arquivologia e fui selecionada no final de 2015. O curso foi maravilhoso, pois eu via a teoria do que precisava desenvolver na prática. Tive um filho neste meio tempo, mas retornei às aulas e me formei em 2021/1.
2) O que motivou sua participar do Prêmio Maria Odila, e qual a importância deste em sua carreira? O que me motivou a participar foi a possibilidade de reconhecimento de uma pesquisa realizada em um período bem difícil, em meio à pandemia e ao corte de verbas em universidades públicas. Minha professora orientadora do TCC, Prof.ª Valéria Bertotti, foi fundamental na elaboração da pesquisa, orientando com muita atenção e conhecimentos, e estimulou a participar do prêmio. É um marco na minha trajetória profissional, também porque o trabalho será editorado em formato ePub (Eletronic Publication ou Publicação Eletrônica), ampliando a visibilidade da pesquisa e a divulgação.
3) O que a levou a escolher esta temática de pesquisa? A escolha do tema da monografia foi motivada pelo interesse em buscar uma metodologia com o objetivo de entender um documento tão complexo, como o Projeto Final de Engenharia Rodoviária. O resultado oportuniza propor melhorias na organização do Arquivo da Superintendência de Estudos e Projetos (SEP) e maior confiabilidade para tomada de decisões quanto ao recolhimento e conservação do acervo, além de auxiliar na implantação de sistemas para gerenciar os documentos de engenharia do local. Os conhecimentos adquiridos permitiram, também, maior entendimento sobre a linguagem da engenharia e facilitar a comunicação com os técnicos, já que foi possível conhecer as características dos documentos técnicos e os símbolos específicos utilizados na documentação. Os engenheiros do Daer estão revisando a Instrução Normativa que determina o conteúdo e quantidade de originais do documento, também em razão da pesquisa. A segurança do transporte de passageiros e de cargas nas rodovias estaduais é também dependente de uma boa gestão documental.
4) De que forma você espera que este trabalho contribua para a área? Acredito que abordei uma temática pouco explorada na Arquivologia, que são arquivos de engenharia e a aplicação da metodologia de tipologia documental utilizando elementos dos modelos da professora canadense Louise Gagnon-Arguin e do Grupo de Madri para análise de um documento tão específico.
Para acessar a monografia de Lívia, clique aqui.
1) Fale-nos sobre sua trajetória acadêmica e profissional: A trajetória da pesquisa que redundou na tese iniciou-se em meados de 2014, quando eu ainda cursava a graduação em Arquivologia (UFRGS) e trabalhava como escriturário no Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul). Naquele contexto, comecei a investigar sistematicamente o tema da terceirização/externalização de arquivos, que foi objeto original do projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural (PPGMSPC), no segundo semestre de 2016. Inicialmente, o projeto foi muito bem recebido e fui aprovado em primeiro lugar no certame. Só que, na sequência, houve muita dificuldade em vincular a proposta original aos marcos teórico-metodológicos do PPG. Foi então que o projeto começou a sofrer uma série de reconfigurações, principalmente por conta da dificuldade em relacionar a noção de patrimônio cultural com os arquivos. Ao fim, depois de quase um ano de muitas leituras, debates e reflexões, o projeto foi reorientado e passou a ter como foco central justamente esta complexa relação entre os arquivos e sua transformação em patrimônio cultural. Quando comecei a pesquisar de forma mais organizada a respeito deste tema, me dei conta de que haviam lacunas enormes a serem preenchidas nele. Ao contrário de outras tipificações patrimoniais (como os edifícios e os museus), a trajetória do processo de conversão de arquivos em patrimônio ainda não havia sido reconstituída no Brasil – ao menos não de maneira sistematizada. Aproveitei minha formação dupla de historiador-arquivista para fazer este vôo panorâmico – que na tese eu chamo de análise macroscópica. Foi através dele que busquei entender como o Estado brasileiro patrimonializou seus arquivos ao longo da história, como isso ocorre hoje e quais são as marcas e características deste processo.
2) O que motivou sua participar do Prêmio Maria Odila, e qual a importância deste em sua carreira? O trabalho que fiz analisa mais de 200 anos de história através das mais distintas fontes – relatórios, jornais, revistas, depoimentos etc. E, como ele se debruça sobre a patrimonialização de arquivos no Estado-nação brasileiro, naturalmente há um foco muito relevante da análise que está centrado em instituições que, embora nacionais, são reconhecidamente vinculadas a uma região do país – me refiro, por exemplo, ao Arquivo Nacional, cuja sede é e sempre foi no Rio de Janeiro. Acontece que eu produzi este trabalho desde um lugar geográfico periférico em relação a este eixo-base do processo. Pesquisei muito no acervo do Arquivo Nacional, do IHGB, do DASP, do Iphan, da Fundação Getúlio Vargas, entre outros, mas nunca estive fisicamente nestes locais. Produzi esta tese sempre desde o Rio Grande do Sul, tanto porque estava vinculado a um PPG do interior deste Estado, quanto porque, no meio de todo este processo, me tornei professor do Ensino Superior em uma universidade gaúcha. Isso sem falar na pandemia de COVID-19, que tornou tudo ainda mais complicado. Quando este trabalho acabou e foi reconhecido pela banca examinadora como relevante, eu fiquei muito satisfeito, mas também preocupado. Temi que, por estar numa certa periferia acadêmica do país, todo este esforço não fosse lido, debatido, contestado, apropriado. A candidatura ao Prêmio Nacional de Arquivologia nasce desta preocupação. Entendi que, se o trabalho estivesse entre os premiados, ele naturalmente seria conhecido – até porque ele será editado pelo Arquivo Nacional. Evidentemente, além disso, este prêmio tem uma relevância enorme para minha carreira. Primeiro, porque é outorgado pela mais importante instituição arquivística do país; segundo, porque provém da análise criteriosa de uma banca certamente exigente; e, terceiro, porque homenageia a professora Maria Odila Fonseca, referência ímpar da Arquivologia brasileira. Vencer este concurso é motivo de muita felicidade e satisfação, além de me incentivar a seguir na pesquisa.
3) O que a levou a escolher esta temática de pesquisa? Há temas que nos escolhem. Como disse, cheguei ao PPGMSPC com uma proposta totalmente distinta daquela que se transformou na tese final. Mas a pesquisa não é necessariamente linear e fechada, como muitos manuais de metodologia querem nos ensinar. Há caminhos que se abrem no meio da jornada e, às vezes, é preciso respeitar estes desvios. À medida que me apropriei de leituras que desconhecia, que entrei em contato com fontes de primeira grandeza e que percebi que poderia contribuir para um tema que é muito mencionado, mas é pouco aprofundado, não houve outra alternativa. Hoje, considero que é fundamental compreendermos o processo de patrimonialização cultural de arquivos no Brasil e na América Latina, tanto porque precisamos saber como se formam nossos arquivos, quanto porque há uma tendência irreversível de apontamento sobre as contradições deste processo. Mais do que remontar a história da patrimonialização de arquivos no país, o que busquei com a tese foi justamente levantar este debate e sistematizar – ainda que de forma abrangente – algumas possíveis respostas a ele.
4) De que forma você espera que este trabalho contribua para a área? Espero que o trabalho seja apropriado em todos os níveis. Um dos membros da banca disse que eu não escrevi uma tese, mas sim um livro, quase um romance. De fato, busquei sistematizar um tema árido de forma atrativa, porque desejo que o trabalho seja lido e compreendido da graduação à pós, passando pelos colegas que trabalham nos arquivos – e que muitas vezes se debatem sobre os desígnios do patrimônio cultural arquivístico. Meu desejo é de que possamos nos debruçar sobre este processo no âmbito latino-americano – para compreendermos nossas similitudes e diferenças –, mas também nos âmbitos menos macroscópicos, como os estados, os municípios e as próprias instituições arquivísticas. Acredito que nós, arquivistas, precisamos aprofundar nossa relação com o patrimônio cultural. É preciso diminuir a presença de uma "arquivotecnia" estéril, que replica métodos e instrumentos sem compreendê-los. Ao mesmo tempo, precisamos compreender o patrimônio como verbo e não como substantivo. “A patrimonialização cultural de arquivos no Brasil” foi escrita com este intuito. É ambicioso, mas creio que estamos preparados para debater o tema com mais solidez.
Para acessar a tese de Francisco, clique aqui.
Agradecemos Lívia e Francisco pela disposição em compartilhar suas experiências conosco, e desejamos que sigam tendo sucesso em suas trajetórias, que já contribuem e certamente ainda têm muito a contribuir para o fortalecimento dos arquivos no Brasil.