Arquivo LGBT+: levantando documentos para outras histórias
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Você já parou para se perguntar como podem ser encontrados os documentos sobre lésbicas, trans, gays, bis e outras identidades de gênero e sexualidades dissidentes?
É claro que pessoas LGBTQIA+ estão em todos lugares, inclusive no acervo do Arquivo Público.
No mês do orgulho, nossa instituição está finalizando a elaboração de um Catálogo Seletivo de processos criminais do período 1942-1964 em que aparecem desejos e identidades de gênero considerados desviantes.
Para isso foram abertas, durante quase quatro anos, 1.969 caixas, examinados processo por processo e selecionados 160 documentos, em um total de 18.903 autos. Um verdadeiro trabalho de agulha no palheiro! Certamente a quantidade de pessoas LGBTQIA+ é muito maior em nosso acervo. A questão é que a grande maioria estava oculta, em uma sociedade repressiva e criminalizante.
Mas, por que processos criminais? Esses processos não tendem a reduzir as homossexuali/lesbiani/transexualidades às situações de violência, encarando essas sujeitas como vítimas ou ré(u)s?
Por um lado, em uma sociedade enrustida e lesbo/trans/homofóbica como aquela dos anos 40, 50 e 60 do século passado, a comunidade LGBTQIA+ estava sujeita, sim, a todo tipo de violência: agressões físicas, homicídios, boa noite Cinderela (ou o equivalente na época), chantagens, extorsões.
Por outro, se a invisibilidade é grande na documentação criminal, nos processos civis era ainda maior, porque a inexistência de direitos sociais assegurados fazia com que não se registrassem relações familiares ou de conjugalidade, que certamente existiam. Os bens deviam ser herdados por parentes sanguíneos, por exemplo. Seria interessante, por outro lado, que alguém estudasse os testamentos do período para verificar as brechas desse sistema excludente.
Nos processos criminais, até pela culpabilização envolvida, havia maior preocupação com a definição de quem era “pederasta”, “ativo”, “passivo”, “fresco”, “bicha”, “lésbica”, “machona”. O uso de termos ofensivos já é um sinal do preconceito sofrido.
Ao investigar as circunstâncias que levaram aos crimes, os policiais e a Justiça acabavam por oferecer muitos detalhes sobre as relações de amizade, amorosas e sexuais daqueles homens e mulheres do passado.
Muitos crimes, é claro, deixavam a dissidência de gênero e sexual nas entrelinhas, e em alguns casos foi possível lê-las. O catálogo deixará claro quais casos são conclusões chegadas pelo servidor encarregado dele, Rodrigo Weimer, e quando as referências são diretas. Nesse caso, caberá ao/e/à leitor/a/e formar seu próprio juízo!
O Arquivo tem a intenção de disponibilizar publicamente o catálogo, que está em fase de ajustes finais, o quanto antes. Através dele será possível descobrir um pouco das territorialidades da cidade de Porto Alegre, ou do interior do estado, naqueles anos; sobre os nomes adotados pelas pessoas trans; sobre espaços de paquera e pegação; mas, também, sobre as violências sofridas por vidas clandestinas ou marginais, em um tempo em que inexistiam direitos civis e a cidadania para a comunidade era precária.
Estamos do mês do orgulho LGBTQIA+. Temos uma história e dela nos orgulhamos.