A pandemia de COVID-19 e os Arquivos: qual tem sido o nosso papel?
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Durante a pandemia de COVID-19, o Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS) desempenhou um papel crucial na preservação e registro das experiências vividas. O título deste texto faz alusão à primeira matéria publicada no site do APERS referente à pandemia de COVID-19 no Rio Grande do Sul (acesse aqui), com uma referência às ações que na época vislumbravam-se, fervilhando ideias com a intenção de, na medida arquivística e histórica do possível, documentar esse período tão fatídico para nossa sociedade. Hoje rememoramos os 05 anos do dia que o Arquivo Público precisou interromper suas atividades presenciais.
Em nível global, diversas iniciativas foram implementadas para preservar o patrimônio documental durante a pandemia de COVID-19. A UNESCO, por meio do Programa Memória do Mundo, desempenhou um papel fundamental ao fornecer apoio financeiro e técnico para projetos que visavam proteger documentos em risco de danos ou desaparecimento. O APERS também se alinhou com práticas globais de preservação documental, inspirando-se em iniciativas internacionais que visavam transformar a ameaça da COVID-19 em uma oportunidade para aumentar o apoio ao patrimônio documental. Essas ações incluíram a adesão a declarações e orientações técnicas que promovem a proteção de documentos em períodos de crise, como pandemias, desastres naturais e outros eventos significativos.
A preservação documental em períodos de crise não é uma prática nova. Durante a gripe espanhola de 1918, muitos esforços foram feitos para registrar e preservar informações sobre a pandemia, embora de forma menos organizada do que hoje. Em tempos de guerra, como durante a Segunda Guerra Mundial, houve tentativas significativas de proteger documentos importantes, incluindo a criação de cópias de segurança e a transferência de arquivos para locais seguros. Da mesma forma, em crises climáticas, como enchentes e incêndios, estratégias de preservação incluem a implementação de políticas públicas de conservação e o uso de tecnologias avançadas para garantir a longevidade dos acervos documentais. Essas iniciativas refletem a importância de proteger de modo contínuo o patrimônio documental como um recurso vital para a memória coletiva e a história da humanidade.
Reconhecendo a excepcionalidade do que se estava vivenciando naquele período, em julho de 2020 o APERS lançou o projeto interinstitucional "Documentando a experiência da COVID-19 no Rio Grande do Sul", que visava coletar e preservar registros sobre o cotidiano e as experiências subjetivas da pandemia. Essa iniciativa incluiu a coleta, por meio de formulário virtual, de depoimentos, fotos, vídeos e outros documentos que capturassem a realidade vivida pela população durante a crise sanitária, assim como a realização de entrevistas de história oral com públicos diversos entre as instituições parceiras. Ao APERS coube entrevistar gestores públicos e servidores que atuaram diretamente no enfrentamento à pandemia a partir do Gabinete de Crise e do Comitê de Dados (veja as entrevistas aqui). A colaboração com outras instituições e a utilização de ferramentas digitais foram fundamentais para garantir a continuidade do trabalho arquivístico durante o isolamento social.
Entre os resultados do projeto, destacamos aqui a publicação “A Covid-19 no Rio Grande do Sul: documentando experiências coletivas”, que pode ser acessada em nosso site clicando aqui. Elaborado a partir das vozes daqueles que colaboraram com a iniciativa, compartilhando excertos de entrevistas e respostas ao formulário virtual, o livro traz uma abordagem sensível sobre temas como o isolamento social; trabalho, emprego e renda; afeto, convívio e solidariedade em um contexto marcado pelo medo da doença. Como é explicitado na apresentação, esta é
uma “publicação-convite”: um convite para que você se some a este esforço colaborativo de registrar, de refletir, de acolher os inúmeros sentimentos evocados por toda essa experiência, e de significá-la. Ao longo do livreto você encontrará linhas em branco, que são espaços destinados às suas palavras, para que, ao chegarmos juntos(as) à última página, tenhamos uma espécie de “diário coletivo”, um relicário de vivências sensíveis que irmanaram todos(as) nós. (p. 6).

Além disso, o APERS elaborou e adotou normativas específicas para garantir a preservação dos documentos públicos produzidos durante a pandemia. Essas normativas foram respaldadas por uma ordem de serviço do governador, que reforçou a importância de manter registros detalhados e acessíveis para futuras consultas e pesquisas. A implementação dessas diretrizes seguiu orientações internacionais, como as estabelecidas pelo Conselho Internacional de Arquivos (ICA) e pela UNESCO, que enfatizam a necessidade de proteger e difundir documentos que forneçam informações de qualidade e uma perspectiva histórica sobre crises globais.
No dia 18 de março de 2020, com o avanço do coronavírus SARS-Cov-2 pelo Brasil e pelo território gaúcho, o serviço público estadual entrou em trabalho remoto, iniciando uma quarentena que se estenderia muito além do que poderíamos imaginar. Agora, passados 05 anos do início do isolamento social, temos um grande volume de produção documental para avaliar, tratar e destinar à preservação permanente. Estes documentos espelharão como o Estado atuou no contexto da pandemia, direcionando políticas e recursos para proteção da sociedade. Documentos físicos e digitais deverão ser identificados e serão remetidos ao recolhimento do Arquivo Público, operacionalizando então sua custódia, acesso e difusão. Os procedimentos ainda estão em planejamento, visto que são milhares de documentos produzidos por diversos órgãos e entidades que carecerão de um olhar profissional atento, sensível à identificação daquilo que melhor retrata o contexto pandêmico.
Entretanto, tivemos a garantia legal da preservação da memória deste período e rapidamente, enquanto Arquivo Público do Estado do RS, promovemos durante este tempo pandêmico, a reflexão de que a forma que o governo atua em ocasiões excepcionais devem ser preservadas, discutidas e publicizadas. Mesmo sabendo que há desafios para a reunião e tratamento destes documentos – inclusive o enfrentamento aos impactos das enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul em 2024 – enaltecemos a celeridade com que o APERS conseguiu pautar a reflexão sobre a necessidade de preservar e publicizar registros da ação do Estado em situação tão excepcional. As pautas que emergiram deste debate, como o tema da digitalização e suas viabilidades; a preservação de documentos digitais a partir de repositórios arquivísticos digitais confiáveis;, a conservação de documentos físicos e o período que os vírus permanecem ativos sobre o papel; os usos de ferramentas de produtividade e compartilhamento de informações, e até mesmo as novas formas do trabalho presencial e do teletrabalho, contribuíram para o crescimento de nossa instituição e a formação da equipe técnica.
Passados cinco anos do início do isolamento social no estado, reafirmamos nosso compromisso com a preservação e difusão de documentos relativos a esse período, abraçando nosso papel enquanto instituição arquivística pública e fomentando pesquisas que poderão colaborar para nossa sociedade do futuro.
Referências: