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Entrevista com Wagner de Azevedo Pedroso - Parte 2

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APERS Entrevista
APERS Entrevista - Foto: Divulga APERS

Na semana passada, o historiador Wagner de Azevedo Pedroso nos contava sobre a temática de sua dissertação de mestrado e os desafios representados pela articulação entre sujeito e estrutura (Parte 1).

Confira a continuidade!

4) Quais as mudanças de ênfase entre sua dissertação e seu livro?

Essa foi uma das maiores dificuldades, inicialmente pretendia trazer uma linguagem mais acessível ao público leigo, mas sem deixar de lado metodologia e a crítica histórica. Ao começar a escrever o texto para o livro, acabei percebendo ser necessário de aprofundar e afirmar, de forma mais enfática, as questões relacionadas às articulações entre macro e microestruturas que dariam mais destaque às ações subjetivas dos insurgentes e de outros agentes históricos que vivenciaram a tentativa insurrecional dos escravizados, o que ficou muito superficial em minha dissertação. Para atingir este objetivo, decidi deixar de lado as análises mais detalhadas dos dados econômicos e demográficos (que estão presentes na dissertação) e me deter na organização do texto do livro para construir uma explicação mais detalhada das tensões entre senhores e escravizados na Aldeia dos Anjos, focando principalmente na estrutura que permitiria compreender os limites das ações dos insurgentes de 1863. Esse foco acabou me levando a aprofundar a análise sobre as alterações do sistema escravista após o fim do tráfico negreiro (1850) e em como elas modificaram substancialmente as formas de dominação senhorial, principalmente na questão do aumento da rigidez dos senhores com seus escravizados, provavelmente devido à dificuldade de acesso à mão-de-obra escrava (encarecimento do preço do escravizado) após 1850 e, principalmente, 1860. Compreendendo essas alterações tornou-se mais fácil articular as ações subjetivas dos escravizados, principalmente ao analisar os relatos do processo-crime, quando se percebia como essas transformações afetaram o cotidiano dos escravizados, como por exemplo nas suas possibilidades de ações na localidade e suas conquistas diárias, ou seja, como afetaram, usando os termos de Thompson, seus “costumes em comum”.

Wagner de Azevedo Pedroso Foto 2
Wagner de Azevedo Pedroso
5) Poderíamos dizer que você transitou de um maior enfoque na estrutura para o protagonismo dos escravizados, ao dar maior destaque ao plano insurrecional?

Exato, a minha grande preocupação era desmistificar, principalmente, para quem não é da área da escravidão, aquela ideia de uma ação escrava coesa, procurei dar destaque as ações dos escravizados dentro de um determinado contexto espacial e temporal, somadas às suas redes de relações que delimitavam suas possibilidades de ações dentro daquele sistema escravista. Como falei anteriormente, o protagonismo do escravizado acabou se perdendo na dissertação, pela necessidade de levar os dados que permitiram ver o escravizado dentro do sistema no qual eles viviam, só em posse desses dados seria possível compreender suas ações na Aldeia dos Anjos. A caminhada da pesquisa de mestrado e a sedimentação desse conhecimento, permitiram que, no livro, eu conseguisse focar a análise nesse protagonismo do escravizado, que acabou ficando mais superficial na dissertação. Cabe aqui destacar algo que acho muito importante, que a minha percepção do protagonismo está diretamente relacionada a minha perspectiva de vida, principalmente por fazer parte de uma “família extensa”, que não se restringe somente a mãe, pai e irmão, entra nesta família (e isso está programado na minha mente inconscientemente), primos(as), tios(as), avós(avôs), agregados(as), vizinhos(as), amigos(as) de família e assim por diante, essa percepção sobre família me facilitou a percepção das redes de relações familiares encontradas nas documentações (claro que essa é uma percepção branca destas relações). Devido a essa percepção, procurei compreender as relações familiares e sociais desses agentes históricos e como elas ajudavam a entender as ações desses senhores e escravizados na Aldeia dos Anjos.

6) A Aldeia dos Anjos surgiu como um aldeamento indígena. Você encontra vestígios da presença indígena? Se sim, quais são?

Infelizmente não me detive nos dados sobre os indígenas, mas foi possível perceber que nos dados analisados os indígenas praticamente desapareceram nas fontes pesquisadas, os registros são muito parcos, cabe destacar que isso não significa que esta população deixou a localidade, apenas que foram desaparecendo das fontes com o passar do tempo. Pesquisadores como Fábio Kuhn e Bruna Sirtori destacam um pouco sobre esta questão, principalmente para o final do XVIII e início do XIX para os Campos de Viamão e para a Aldeia dos Anjos, outros estudos apresentam esse fenômeno para outras regiões da antiga Província de São Pedro.

7) Na quarta capa de seu livro, o historiador Charles Sidarta Domingos caracteriza seu trabalho como história pública. Você concorda? Se sim, em que sentido?

Concordo, acredito que a pesquisa, principalmente na elaboração do livro, apresentou um texto mais limpo (de dados mais duros que as pesquisas de mestrado e doutorado exigem), possibilitando um maior acesso ao leitor leigo e de outras áreas da História que não são da escravidão. Entendo que apresentar esse protagonismo negro (escravizado, liberto ou livre) é fundamental para trazer ao grande público perspectivas sobre a escravidão que muitas vezes estão dadas como trabalhadas na academia, mas ainda fazem parte da percepção geral de leigos no assunto, e inclusive de historiadores que não são da área da escravidão. Outro ponto importante foi compreender que esse protagonismo, principalmente a luta dos escravizados, contribuam para o debate da luta anti-racista atual, permitindo compreender e reafirmar, como muitos outros estudos já fizeram, como o sistema escravista contribuiu e, em minha opinião, é parte fundamental da estrutura de discriminação racial atual. Sempre que penso sobre isso, gosto de usar como referência o filme “Quanto vale ou é por quilo?” (2005), do diretor Sérgio Bianchi, apesar do filme ter outro viés, ele faz um paralelo com as ações do passado e como elas ainda estão presentes e arraigadas em nossas relações cotidianas e, agora eu, fazendo um paralelo com o filme, acredito que muitas das questões relacionadas ao tema do racismo brasileiro atual, ainda são reflexos dessas antigas relações estabelecidas no período da escravidão no Brasil.

8) Como sua prática de pesquisa potencializa sua atuação como educador?

O ingresso no mestrado da UFRGS, em 2010, afetou diretamente a minha percepção sobre a importância da pesquisa para o aprendizado, primeiramente, porque modificou o meu próprio aprendizado, principalmente no que tange à pesquisa empírica e à articulação desta com a teoria. Ao modificar minha percepção sobre a importância da articulação entre teoria e prática, passei a construir aulas que exigissem de meus alunos uma articulação do conteúdo trabalhado com suas experiências de vida para que eles compreendessem de onde vinham seus valores e por que pensavam desta forma e não de outra. Hoje, com a pandemia, essa forma de reflexão acabou se perdendo devido às aulas remotas, que impossibilitaram o debate que era realizado na presencial. Para além da pesquisa, é importante aliar a teoria que usamos em nossos escritos, na nossa vida prática, sempre me lembro que a professora Regina Weber disse uma vez em aula “como sua teoria se aplica na sua práxis?", pensando nisso, acredito que não adianta falarmos em protagonismo, por exemplo, para nossos alunos, mas impedirmos eles de serem protagonistas no seu aprendizado, então busco constantemente me observar e reestruturar minhas ações como professor e pesquisador dentro da minha sala de aula, apresentando aos meus alunos possibilidades de criações que os tornem protagonistas do seu processo de aprendizagem, e a melhor forma que encontrei para isso, foi transformar meu aluno num pesquisador, claro que dentro de sua realidade de alunos do ensino fundamental. Procuro ensinar, para além do conteúdo, como eles devem se organizar, como determinar seu tempo de pesquisa (criar um calendário), como pesquisar suas fontes (no caso, livros e a própria internet) e como devem apresentar o material pesquisado. Olhando aqui parece muito fácil e lindo o trabalho, e é mesmo, mas não é tão simples quanto parece e demanda um longo período de adaptação e quebra de paradigmas até eles se compreenderem como protagonista do processo de aprendizagem e perceberem que o aprendizado é deles, eles que o constroem.

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